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14 de dezembro de 2019

'É a minha arte. Não tenho outra.'




A minha profissão é construção civil, faço um pouco de tudo, trolha, pintura, azulejos, também arranjo persianas, faço pichelaria… 

Ora bem, tornei-me um “faz tudo” nesta área porque eu comecei a trabalhar com dez anos e meio como ajudante de marceneiro, ia para a escola de manhã e de tarde trabalhava a ajudante de marceneiro, depois aos doze anos, quando fiz o exame da quarta classe é que fui para a construção civil trabalhar com um cunhado meu e aos dezasseis anos já era o que sou, porque sabe como é, nesta área a gente começa desde pequenos, começa debaixo e acaba em cima e onde se aprende a arte é com estes mestres. Eu tinha dezasseis anos e já sabia mais que os meus cunhados e irmãos, que os mais velhos do que eu. 

O que me levou a este trabalho foi a necessidade porque naquele tempo, há quarenta e tal anos, era um tempo de muita passa fome e os meus pais eram de São Pedro da Cova, o meu pai trabalhava nas minas, a minha mãe era entravada de uma perninha e havia muita fome e o meu irmão mais velho, que Deus o tenha em eterno descanso, ia trabalhar um mês, recebia, e só passados dois meses é que voltava a casa e, pronto, eu mal fiz o exame da quarta classe fui trabalhar para ajudar a casa. 

Para eu aprender não é preciso estarem a explicar basta eu ver e depois eu vou apanhar a prática. Foi  como comecei a chapar massa. Não foi ninguém que me ensinou a chapar massa, eu era rapazinho trolha, moço, e depois ao fim da tarde tínhamos de lavar a ferramenta dos oficiais, havia aqueles camiões de areia e a gente ia lá para a beira lavar a ferramenta e eu pegava na colher e na talocha deles e com areia ia tentando apanhar o jeito e foi assim que aprendi a chapar massa. Ver outros a fazer e eu fui fazendo e ganhando prática, a prática sempre acima de tudo. 

Nessa altura a arte era diferente de hoje, porque hoje temos uma construção mais fácil, antigamente a gente tinha de assentar tijolo, se a casa fosse feita de pedra, era a pedra, carregar placas, quando não havia betoneiras era à mão, era uns a fazer a massa, outros a encher e outros a guindar. Era outra forma de trabalhar, enquanto agora vem um camião de massa, vem uma máquina, que eles chamam a lombriga e leva a massa para lá. 

O que me faz feliz neste trabalho? Ora bem, é trabalhar! É ter trabalho, lidar com pessoas honestas, que eu também sou, não é? O que me faz feliz é isso… e deixar as coisas em condições, porque se eu for ali ao meu telemóvel, vê só clientes ali, tenho duzentos e tal números. Que eu fique satisfeito com o cliente e gosto que o cliente fique satisfeito comigo para que qualquer trabalho que haja “É o João!”. 

O que gosto menos neste trabalho? Ora bem, não gosto de muito de ferrageiro, também sei, mas não gosto muito. No geral, da minha arte gosto de fazer de tudo, mas às vezes encontramos coisas que pensamos que vamos demorar uma hora e demoramos três e quatro… é isso que às vezes chateia… são essas dores de cabeça que eu não gosto. 

Também não gosto quando o cliente não está satisfeito e não me diz nada no momento, eu prefiro que o cliente chegue à minha beira e diga “aqui não está bem”, “dê aqui mais um bocado” ou isto ou aquilo do que dizer que está pronto, “está bom, está bom” e passado um bocado vira-se as costas e vai dizer a outras pessoas que não ficou bem, prefiro que me liguem logo e digam venha aqui dar uma saltada porque não ficou bem. 

Se não fosse isto? Ora bem, gostava de ter uma profissão que era boa, e que não se fazia ‘nada’: porteiro! Porteiro de um prédio, se os inquilinos precisassem de alguma coisa iria ajudá-los a levar as coisas lá em cima e… aliás, já fui vigilante numa escola e também fazia de tudo, se uma porta estivesse estragada ou o que fosse preciso. 

Histórias boas tenho muitas, quer eu trabalhar por mim quer para outros patrões. Ora bem, pela negativa lembro-me de um cliente em que fui aplicar uns azulejos, mas os novos materiais nunca vão casar bem com os antigos, e ele insistia, e até me chateei com ele, foi um patrão para esquecer, porque queria que ‘eu preenchesse o Euromilhões, que lhe saísse a ele, e eu ficava sem nada’. Queria que eu fizesse como ele queria sem ter as coisas! 

Para ser excelente profissional na minha área, ora bem, é preciso saber, mas não é os estudos – agora para ir para varredor é preciso ter o nono ano, ou o décimo ano, e depois é preciso ir tirar um curso - isso não conta, o que conta é a prática, a prática desde novo até uma certa idade, ganhar prática! O que as pessoas valorizam na minha profissão é a sabedoria e, às vezes, as ideias de mim próprio para o que o cliente quer. 

O conselho que eu daria a alguém que está a começar esta profissão, se eu tivesse hipóteses, era pô-lo a trabalhar comigo, se não tivesse hipóteses de o pôr a trabalhar comigo, era dar-lhe conselhos a ele para começar de novo, o mais novo possível, isto se fosse para trabalhar, mas se ele tivesse coiso para estudar, que seguisse os estudos primeiro…apesar que, vamos ver, há muita gente que tem cursos e estudos e querem trabalho e não têm . 

O que acrescento a vida das pessoas? Ora bem, o que eu faço melhora a vida das pessoas, a pessoa sentir-se bem com o trabalho que foi feito. 

O que me mantém motivado para continuar neste trabalho? É a minha arte. Não tenho outra.

| João |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |

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Vítor Briga
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