Eu não gostava da cozinha, sinceramente eu não gostava da cozinha. Tornei-me cozinheira há 37 anos para ajudar os meus filhos a crescer e para terem dinheiro para a escola. Tornei-me cozinheira a pensar no futuro deles, para os fazer doutores que era o meu sonho antigo. Juro pela minha santíssima mãe! Eu não gostava, mas depois fui-me habituando e agora faço com gosto o que faço, gosto de fazer bem feito.
Agora o que me faz feliz no trabalho é fazer doces. Sinto-me melhor, é mais leve, é uma coisa diferente. O que eu não gosto neste trabalho é quando vem muito stress, tudo junto, muita confusão, toda a gente a pedir coisas à cozinha, quando a gente se queima, é horrível...
Quando era pequenina queria ser costureira, mas a minha mãe não podia ajudar-me. Agora queria ser florista. Isso é que era! Adorava, adorava, adorava...quem sabe se um dia ainda posso ser, quando me reformar. Ter uma florista, eu gostava imenso, adorava trabalhar com flores...ainda tenho esse sonho.
O que é ser uma excelente cozinheira? É, sei lá, como é que me hei-de exprimir, é fazer as coisas bem feitas, limpas, a comida bem apuradinha, como deve ser...
O que trago de bom à vida das outras pessoas? A alimentação é importante... as pessoas têm de comer. Elas vêm comer, se ficarem contentes, vão satisfeitas, eu também fico satisfeita em servi-los bem.
Mas o que me mantém motivada todos os dias é a minha netinha. Quando o chefe me começa ali a chatear, eu penso "fala para aí!", viro costas, penso na minha neta e acabou. Ela veio me trazer outra vez motivação. Os meus filhos foi para começar, a minha neta é para continuar. Temos de ter uma fé.
| Antónia |
Sobre o Projeto:
Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.
Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.
Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.
| Vítor Briga |