Eu tornei-me costureira aos sete anos, por incrível que pareça. Gostava muito de uma tia minha que era modista na época e foi ela que me ensinou o que eu sei hoje. Ela só fazia roupa se eu a ajudasse e eu com sete anos já comecei a ter noções de costura e hoje graças a Deus sei fazer tudo um pouco.
O que me faz feliz é decoração, fazer roupas novas, com gosto! O que eu gosto menos é quando vêm roupas que a gente vê que não valia a pena arranjar porque às vezes o arranjo até fica mais caro que o valor da peça e as pessoas querem arranjar e depois até acham que é caro e a gente fica chateada por estar a fazer uma coisa que sabe que a pessoa não vai valorizar porque a peça em si não dá esse valor.
Se eu não fosse costureira seria enfermeira porque eu gosto de dar atenção às pessoas, gosto de dar uma palavra. Eu quando vou ao Hospital para ser consultada numa urgência qualquer estou mais a cuidar dos outros do que até a cuidar de mim. Vou logo para perto de uma maca perguntar o que tem, se está precisando de alguma coisa, é uma coisa que eu gosto muito.
No trabalho que eu faço, como tenho uma loja ao público, a gente acaba por ser analista, psicóloga, conselheira, sei lá, muitas coisas, então através disso a gente também muda o nosso modo de ser, até porque a gente vê, de uns polos aos outros, a nossa vida, a vida do outro e depois pensa "Puxa estou tão aborrecida por isto e por aquilo, mas fulano está pior do que eu e até nem parece!" e uns ajudam aos outros. Aqui na loja aparece gente de tudo e eu ajudo todas as pessoas de um jeito e elas também me ajudam, é uma troca.
Tenho bastantes histórias, tenho clientes que deixam a carteira aqui com muito dinheiro e às vezes numa altura em que a gente está sem...; Tenho clientes que vêm porque querem aquilo porque à noite vão sair, vão a uma festa xpto, a gente faz, está aqui à espera a secar a vida toda e o cliente não aparece e fica a roupa três quatro meses aqui; Tenho histórias de roupas para meninas das alianças que os pais quando veem as filhas ficam encantados e a gente se realiza no olhar das pessoas, é muita coisa...
Para ser uma excelente costureira principalmente é preciso ter amor naquilo que faz. Se não gostar não vale a pena fazer, e também saber aconselhar, porque às vezes se a gente disser assim "Desculpe lá, é o meu conselho, vou perder dinheiro, não faço! Compre pronto, para o que é fica mais barato" é melhor. Eles procuram a honestidade nossa para com eles. Ganhar dinheiro está difícil para nós, mas também está difícil para os outros. Se tem conserto, tem conserto, se não tem conserto, olhe, amigos na mesma. Porque depois as pessoas umas passam às outras e quando vamos a ver temos uma boa clientela, que nem é mais cliente são amigos, são pessoas que a gente começa a conhecer anos, vêm hoje, vêm amanhã, é...eu acho que é por aí.
O que trago de bom à vida das pessoas, por aquilo que os meus cliente dizem, é que estou sempre alegre, tenho sempre uma palavra amiga tenho sempre uma palavra de conforto. Às vezes as pessoas vêm só dizer "olá" e isso é muito bom. Dou conselhos para vestir, e se me pedirem coisas particulares, se tiver em condições de dar, a gente dá sempre uma palavrinha amiga, às vezes um abraço apertado, um beijinho a um velhinho que está precisando, isso é como tudo.
O que me faz vir para cá todos os dias é porque temos que andar, temos que batalhar pela vida, nada cai do céu. Isto para mim é um laboratório, é um jeito de eu manter a minha sanidade mental, é um jeito de eu ganhar a minha vida, sou sozinha, é daqui o meu sustento, vamos à luta que a vida é curta!
| Rosinha |
Sobre o Projeto:
Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.
Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.
Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.
| Vítor Briga |
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