Uns chamam-me técnica de limpeza, outros chamam-me empregada a dias. Comecei a fazer este trabalho há cerca, mais ou menos, de doze anos depois de ter trabalhado num escritório vinte e dois anos e de ter ficado no desemprego. Tive de me mexer! E com conhecimentos de pessoas que me conheciam indicaram-me para casas de pessoas, engenheiros, doutores, psicólogos.
O que me faz feliz? Gosto de comunicar com as pessoas, sou uma pessoa comunicativa, gosto do que faço, sou uma pessoa que sempre gostei desta área das limpezas e, acima de tudo, uma pessoa distrai-se muito, conhece-se muita gente e, pronto, passamos bem as horas a trabalhar.
Se não fosse empregada a dias o que é que eu gostava de ser? Ora bem, é assim, eu gostava da profissão que fazia antes, também gostava de atender telefones como sou comunicativa... mas hoje gostaria de ter uma área onde pudesse ter, por exemplo, animais, jardinar, gosto das plantas. Portanto, se um dia me dedicasse pessoalmente, sem ter de trabalhar, gostava de tratar das plantas e de ter cães, ou tomar conta de cães das pessoas amigas. Acho que era uma coisa que me fascinava.
Uma coisa que nunca mais me esqueço foi um condómino que morreu num incêndio. Eu não quis ver, mas fui eu que chamei as pessoas quando vi o terceiro andar invadido pelo fumo. Nesse dia não consegui comer.
O conselho que eu diria a alguém para ser uma excelente empregada a dias era para ter pessoas que a possam indicar para os serviços e ser uma pessoa que faça o serviço o melhor que sabe e, acima de tudo, ser uma pessoa honesta para que todas as pessoas possam confiar nela.
Esta é uma profissão que as pessoas precisam. Devido à sua vida de stress, necessitam da nossa ajuda. Eles dizem mesmo que nós somos pessoas que eles não podem dispensar, devido à vida que têm, que não conseguem ter tempo para fazer as coisas. É que, além de limpar, ajudo as pessoas em muitas outras coisas. As pessoas sabem que eu tenho aquela disponibilidade que precisam para me ligar e dizer “Ó Dona Beatriz, pode-me ir passear o meu animal que eu não vou a casa, não tenho tempo” E eu faço, e é uma coisa que gosto de fazer.
O que é que me mantém motivada? Ora bem, não venho contrariada para o trabalho porque gosto do que faço e acima de tudo porque tenho mesmo ainda de trabalhar. Há uma força obrigatória... no fundo temos mesmo de fazer alguma coisa, porque temos necessidade. É uma questão de sobrevivência.
| Beatriz |
Sobre o Projeto:
Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.
Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.
Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.
| Vítor Briga |